por Robério Machado, especial para o Viomundo
O condomínio do golpe está constituído pela confluência de várias setores da sociedade. Para simplificar, denomino-os de “anéis”, dentre os quais se destacam, em ordem alfabética: o empresarial, o financeiro, o geopolítico, o judiciário e o midiático. Não é o caso de discutir a questão, importantíssima, sobre qual deles detém a primazia. Trata-se de um ponto não consensual, que nos levaria a delinear uma teoria da fase atual do capitalismo.
Importa aqui, porém, determinar o papel do anel midiático. Ele se tornou a face mais visível da movimentação golpista por conta de sua capacidade de difundir versões, isto é, de impor ideologias e mobilizar os indivíduos favoráveis ao impeachment. Estes são agrupados em uma massa informe disposta a ir às ruas em defesa de causas que pouco atendem a seus interesses materiais, satisfazendo sobretudo suas exigências psíquicas. O discurso midiático apela às pulsões primárias canalizando contra as figuras da presidenta e do ex-presidente ódios, ressentimentos etc., em suma, uma gama de afetos que destampam a agressividade.
Assim, muitos descrevem o golpe em curso como midiático ou judiciário-midiático. No entanto, ainda que seja um agente imprescindível em sua efetivação, seria demasiado atribuir-lhe o comando do condomínio. Isso não significa que não devamos combatê-lo e mesmo despender parte de nossos esforços em defesa da legalidade na luta cultural contra as ideologias que difunde.
No momento, convém chamar a atenção também para uma dimensão pouco explorada do discurso midiático. Uma das funções da atividade mediadora do oligopólio midiático consiste em preparar as massas para os próximos passos da agenda golpista, justificando-os previamente de modo a evitar decepções e deserções.
Uma leitura dos jornais nos últimos dias indica que Moro não deve prender Lula já. Enfáticos nesse sentido são o editorial de 18 de março da Folha de S. Paulo “Protagonismo perigoso”, e o artigo de 21 de março do colunista e blogueiro das Organizações Globo, Helio Gurovitz, intitulado significativamente “Moro não deve se precipitar”.
Um dos pressupostos desses textos é a consideração de que a detenção coercitiva do ex-presidente Lula gerou mais revesses que ganhos para a marcha golpista. A prevalência dessa análise, aliás, forçou Moro a tentar se redimir perante seus apoiadores por meio da divulgação ilegal de grampos que atingiam a presidenta, ministros e outros detentores de foro privilegiado, colocando em risco a legalidade de todo o processo.
Não cabe discutir aqui, embora não seja questão de menor relevância, se o condomínio do golpe não precisa mais dos serviços sujos do homem da camisa preta. No momento em que o Congresso se prepara para decidir no voto o destino da democracia brasileira, tudo indica que a luta jurídica terá doravante, por foro e palco o Supremo Tribunal Federal.
Os golpistas sabem que o ex-presidente Lula, por tudo que ele significa para o povo e para parcela majoritária da esquerda, constitui um bastião decisivo na resistência à ofensiva em curso contra o governo legalmente constituído. O anseio de vê-lo preso faz parte da pauta regressiva de supressão de direitos constitucionais e, sobretudo, da mobilização de pulsões violentas, cujo arquétipo ancestral talvez seja a figura do “escravo fujão” encarnada, na história brasileira, por Zumbi dos Palmares.
O objetivo do condomínio golpista, no entanto, consiste prioritariamente em derrubar a reputação granjeada por Lula no Brasil e no exterior e, em seguida, torná-lo inelegível, facilitando a eleição de um dos três candidatos tucanos em 2018.
O esforço em impugnar sua posse como ministro indica – e o recado foi dado por um dos atores mais proeminentes desse condomínio – que o apoio do STF ao golpe não é tão certo como alguns imaginam. Mas, acima de tudo, trata-se de uma tentativa de impedir que Lula mobilize em favor do governo sua experiência política, existencial e seu capital simbólico, responsáveis diretos pelo êxito das manifestações do dia 18 de março.
Do nosso lado, cabe urgência na tarefa de traduzir em ações o lema que tomou conta do Brasil: “Não vai ter golpe, vai ter luta…”
Robério Machado é jornalista.
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