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Mulher, dezessete anos e estuprada por trinta e três homens


Mulher, dezessete anos e estuprada por trinta e três homens. Isso mesmo, trinta e três.

Tão inacreditável quanto o número de estupradores foi a reação de uma parcela bastante considerável da sociedade, que tanto tentaram justificar quanto se divertiram com essa tragédia.

O curioso é que, no mesmo dia em que o estupro da jovem carioca veio à público, o novo ministro da educação (Mendonça Filho) recebia ninguém menos que Alexandre Frota (!!!) em seu gabinete para debater propostas para o futuro da educação no Brasil. Alexandre Frota que, durante uma entrevista a um programa de televisão, assumiu publicamente que protagonizou um estupro contra uma mãe-de- santo. A plateia gargalhava como se ouvissem uma baita piada.

Jair Bolsonaro (cada dia mais popular entre as classes mais ricas do Brasil) também já foi protagonista de uma criminosa afirmação. Durante um debate com a deputada federal Maria do Rosário, afirmou: “Jamais iria estuprar você, porque você não merece”. Ora, afirmando que Maria do Rosário não merecia ser estuprada, Bolsonaro deixa claro que existem alguns casos em que a mulher, de fato, merece ser estuprada. O mais inacreditável foi ver centenas de pessoas apoiando-o publicamente, em detrimento da deputada.

É claro que Jair Bolsonaro, Alexandre Frota, os trinta e três estupradores da jovem carioca e tantos outros estupradores que todos os dias surgem no Brasil são acusados e criticados por milhares de pessoas. Mas o que assusta é ver com os próprios olhos as centenas (talvez milhares) de pessoas que também os defendem.

Vivemos em um país onde a própria sociedade garante que o estupro continue a ser um instrumento de poder e de dominação. A sociedade que banaliza e trata como piada as agressões ao corpo de uma mulher é uma sociedade doente. E o Brasil, infelizmente, está doente.

Tão doente que o atual governo forma um ministério de homens e não é obrigado a voltar atrás – como o fez, por exemplo, ao revogar a extinção do ministério da cultura.

Um estupro acontece a cada 11 minutos no Brasil, de acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cujos dados mais recentes são de 2014, e casos como o jovem carioca são mais comuns do que imaginamos.

Há um ano da atrocidade registrada em Castelo do Piauí (PI), quando quatro adolescentes foram vítimas de um estupro coletivo e atiradas de um penhasco, um caso parecido voltou a acontecer no Estado.

No mesmo dia em que a jovem da Zona Oeste do rio foi violentada sexualmente por, repito, trinta e três homens, quatro adolescentes e um homem de 18 anos estupraram uma jovem da mesma idade, 17 anos, em Bom Jesus (PI) – cidade de 22.000 habitantes que fica a 644 quilômetros da capital, Teresina. Ela foi encontrada ferida e amordaçada com a própria calcinha em uma obra abandonada depois de, supostamente, beber junto com seus agressores – que ela conhecia, segundo o relato da polícia.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 67% dos casos de violência contra a mulher são cometidos por parentes próximos ou conhecidos da família; 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e apenas 10% dos estupros são notificados. A esmagadora maioria dos agressores não são punidos.

Definitivamente, precisamos falar sobre a violência sexual contra as mulheres. Precisamos falar da cultura machista e nós, homens de esquerda, de direita, de centro, cristãos, ateus, negros, brancos e pardos somos inimigos – no mínimo inimigos em potencial – até que sejamos educados para o contrário.
O Brasil, mais uma vez, na contramão

Enquanto algumas ONGs tomam a frente no debate sobre a violência de gênero, o Legislativo brasileiro, mais uma vez, anda para trás. Atualmente, está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa restringir drasticamente o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) às mulheres vítimas de violência sexual.

O Projeto de Lei 5069/2013 prevê que as vítimas de estupro só poderão receber atendimento hospitalar após a realização de um exame de corpo de delito, realizado pelo Instituto Médico Legal (IML), depois de terem registrado queixa na polícia. Além disso, só considera violência sexual os casos que resultam em danos físicos e psicológicos (atualmente a lei brasileira considera violência sexual qualquer forma de atividade sexual não consentida).

A proposta em trâmite remove do atendimento de saúde os tratamentos preventivos como a pílula do dia seguinte, o coquetel anti-HIV e o fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e todos os serviços sanitários disponíveis para ela.

No Brasil, casos de estupros são um dos poucos em que o aborto é permitido por lei. O projeto em questão extingue definitivamente esse direito, com o argumento de que pretende “refrear a prática do aborto, que vem sendo perpetrado sob os auspícios de artimanhas jurídicas, em desrespeito da vontade amplamente majoritária do povo brasileiro”.

Autores do PL 5069/2013:

 Eduardo Cunha – PMDB/RJ
 Isaias Silvestre – PSB/MG
 João Dado – PDT/SP
 Andre Moura – PSC/SE
 Arolde de Oliveira – PSD/RJ
 Padre Ton – PT/RO
 Arnaldo Faria de Sá – PTB/SP
 Aureo – PRTB/RJ
 Lincoln Portela – PR/MG
 João Campos – PSDB/GO
 Roberto de Lucena – PV/SP
 Marcos Rogério – PDT/RO
 José Linhares – PP/CE

*Ramon Brandão é mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e colaborou para Pragmatismo Político

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