Quem assiste à declaração de Aécio Neves contra as supostas gravações de Temer, não pode deixar de refletir sobre a diferença entre os homens. Lula vem sendo perseguido ininterruptamente há mais de dois anos, as tempestades ao seu redor se armam e se precipitam sem cessar, e seu barco vai como uma caravela no meio do furacão, entre vagas ameaçadoras e raios explodindo à destra e à sinistra. No alto mar tenebroso das conspirações e do golpe, Lula se mantém firme no leme, apesar da idade, e, do alto do seu equilíbrio, transmite-nos uma digna serenidade.
Já com Aécio, a situação é bem diversa. O mineiro de Ipanema, neto herdeiro do seu avô, que do mar só conhece as dunas brancas e as areias escaldantes da Zona Sul do Rio, mostra um semblante desfigurado pelo pavor. Mal a mão visível das denuncias roçou de leve o seu calcanhar de Aquiles, ele parece ter desmoronado.
Aécio ostenta uma mudança impressionante apenas alguns meses depois do curto braço da lei (estamos no Brasil) ter se estendido timidamente em seu encalço. Pálido e visivelmente agitado, a voz desequilibrada oscilando entre o quase falsete e a gagueira ostensiva, a cabeleira precocemente salpicada de tufos grisalhos. Com toda a blindagem, apoio e discrição que a mídia dedica ao dublê de socialite e príncipe político, ao ponto de ser ungido candidato à presidência pelo PSDB, o nobre senador sofre os efeitos do pânico.
É difícil não se impressionar com a dicção prejudicada e a gagueira de Aécio. Ao ratear tentando pronunciar duas palavras, ele dá um show de língua travada – “na nó na nó na nossa república”. E tudo isso em ritmo acelerado, balançando o corpo com visível agitação.
A hipótese mais plausível é que a precipitação com que correu para condenar a gravação de Temer – e isso já antes, inclusive, da confirmação da existência de uma gravação de Temer por Calero –, demonstra seu temor de que, logo à frente, precise muito de um compacto apoio dos partidos do governo. Em especial, do PMDB.
Faz algum tempo que as denúncias contra Aécio não são poucas nem triviais, como mostramos no artigo Inventário das denúncias contra Aécio e a cobertura da mídia. De lá para cá, Aécio vive brincando de esconde-esconde. Às vezes, passa semanas e semanas longe da mídia, não se sabe onde nem fazendo o quê. Depois reaparece ex abrupto.
A cada vez que dá as caras, alguém ou alguns não demoram a estampar manchetes que o desagradam e ele, como o fantasma turrão de Canterville, lança um muxoxo de desagrado e some atravessando a parede mais próxima.
As aparições do fantasma Neves são quase sempre para comentar alguma mazela dos outros, ou melhor, alguma ação da Lava Jato capaz de causar prejuízos a Lula ou ao PT. Ele é convocado pele mídia, e dá conta do serviço. Mais raramente, em exceções muito dignas de nota, como foi a comemoração ao final do segundo turno em outubro da “onda azul”, aparece para louvar as conquistas do PSDB.
Nessa alternância de ausência e presença, de muito mais ausências que presenças na verdade, não admira que Aécio tenha acabado por perder a dicção de outrora. Mas isso é questão de somenos.
O decisivo é que a defesa de Temer pela via do ataque, condenando as gravações antes de confirmar sua existência, só pode ter o sentido de angariar simpatias e apoios. Não tanto de Temer, uma vez que seu destino é incerto, e a distância entre o Jaburu e a Papuda não é assim tão grande. Mas da base de governo, que hoje é robusta e representa um vasto capital político para quem vier a precisar de um.
Apesar do sucesso do PSDB nas últimas eleições, Aécio não se sente seguro. Basta acompanhar a Folha de São Paulo para concluir que São Paulo não quer Aécio na próxima eleição presidencial. E isso significa que a grande mídia corporativa no país, não toda mas parte expressiva, continuará a dar machetes para as acusações contra ele. Por isso, sua busca frenética em ajudar para, muito em breve, ser ajudado.
Não deixa, contudo, de ser lamentável o espetáculo de um presidente de partido, candidato derrotado em uma eleição presidencial, condenar não o fato mas a gravação do fato. E de um fato que a grade mídia inteira – ou melhor, a grande mídia afinada com o PSDB de São Paulo que gostaria de ter um Alckmin candidato à presidência do país – condena como advocacia administrativa, como corrupção.
Seja como for, Aécio talvez esteja um tanto arrependido a essa hora. Possivelmente já se deu conta que, dependendo do desfecho da crise atual, que pode ser trágico para Temer, sua precipitação e sua gagueira não serão facilmente esquecidas. E serão usadas contra ele, numa clássica aplicação do ditado colonial que dizia que “a língua é o chicote do rabo”.
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